06/04/2008

Argentina pune casal que criou bebê de desaparecidos


Jovem foi registrada como filha e iniciou processo

A Justiça argentina condenou a, respectivamente, oito e sete anos de prisão, Osvaldo Rivas e María Cristina Gómez Pinto, casal que, em 1978, se apropriou da filha de dois dissidentes desaparecidos nos porões da última ditadura militar argentina (1976-1983).Rivas e Gómez foram processados por iniciativa da própria filha adotiva, María Eugenia Sampallo, 30. Foi a primeira vez que um julgamento deste tipo foi iniciado pela própria pessoa apropriada.

A Justiça também condenou o capitão da reserva Enrique José Berthier -responsável por seqüestrar Sampallo e entregá-la a Rivas e Gómez- a dez anos de prisão.

A decisão do Tribunal Federal Oral de Buenos Aires é a primeira a condenar pessoas que adotaram bebês roubados de dissidentes mortos ou desaparecidos durante a ditadura. Antes, só militares responsáveis pela entrega dos bebês já haviam sido condenados.

A acusação pedia a condenação do casal e de Berthier por 25 anos, sentença máxima, sob as acusações de retenção ilegal de Sampallo e de falsificação da certidão de nascimento dela. Gómez foi absolvida da segunda imputação.

Sampallo descobriu sua identidade real em 2001, quando, após ser localizada pelas Avós da Praça de Maio, um exame de DNA revelou que ela era filha de Leonardo Sampallo e Mirta Barragán, seqüestrados em dezembro de 1977 pela ditadura argentina. Em fevereiro do ano seguinte, Barragán deu à luz no cativeiro. Em maio do mesmo ano, a menina foi entregue por Berthier ao casal que a criaria. Já os pais biológicos estão desaparecidos até hoje.

"Eles não são meus pais. São meus seqüestradores. Não tenho nenhum tipo de ligação emocional com eles", disse Sampallo, em entrevista recente. "Estes são meus pais", completou, em lágrimas, segurando uma foto dos desaparecidos.

As Avós da Praça de Maio, grupo dedicado à recuperação de filhos de desaparecidos durante a ditadura, calculam que 500 bebês tenham sido roubados e entregues a casais como filhos adotivos. Desde a sua criação, o grupo já ajudou a identificar 77 jovens criados nessas circunstâncias.

Em sessões anteriores do julgamento, Sampallo havia dito que o objetivo de seu processo era que "a sociedade deixe de aceitar que se roubem filhos de outras pessoas".

Sobre aqueles que a criaram como filha por 19 anos, quando abandonou a casa já sob a suspeita de ser filha de desaparecidos, Sampallo disse: "Não guardei lembranças relacionadas a Rivas e Gómez como pais, porque prefiro não me lembrar disso".

Desde 2005, quando a Corte Suprema de Justiça anulou as leis de anistia do governo Raúl Alfonsín (1983-1989), foram reabertas na Argentina mais de 800 causas contra integrantes da ditadura.

A sentença de ontem soma-se a outras simbólicas como a que no ano passado condenou à prisão perpétua o padre Christian von Wernich por participação em torturas e assassinatos -foi a primeira condenação deste tipo contra um membro da Igreja Católica.

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