Artigo - Vinícius Torres Freire
Folha de S. Paulo - As contas externas entraram no vermelho, não há dúvida. O saldo comercial vai cair, e há incerteza maior sobre o preço das exportações. Etc. Mas mais uma vez se percebia ontem, no universo midiático-analítico, um alarmismo distorcido por ansiedade e pessimismos pelos motivos errados.
Folha de S. Paulo - As contas externas entraram no vermelho, não há dúvida. O saldo comercial vai cair, e há incerteza maior sobre o preço das exportações. Etc. Mas mais uma vez se percebia ontem, no universo midiático-analítico, um alarmismo distorcido por ansiedade e pessimismos pelos motivos errados.
A alta freqüência de estatísticas econômicas causa ansiedade míope e reações exageradas diante de indicadores sobre períodos curtos, a maioria relevante só para o pessoal das finanças, que faz ou perde muito dinheiro devido a variações mínimas de preços e expectativas. Alguns dados, como o saldo semanal do comércio externo, dizem muito pouco para quase todo cidadão.
Após um bimestre, ficou evidente o aumento do ritmo de importações. Previsível, pois o consumo doméstico aumenta bem mais que o PIB, e não estão chovendo fábricas, apesar da alta dos investimentos. Dimensionar o tamanho do saldo comercial, porém, é difícil: há dispersão ainda enorme nas previsões, que vão de US$ 15 bilhões a US$ 30 bilhões, entre bons economistas. E, de costume, o volume de exportações cresce a partir de meados do ano, com picos entre o terceiro e o quatro trimestre. "De costume", como em muita previsão econômica, isso pode não ocorrer. Mas ora há exagero demais, dada a informação ainda parca.
O exagero foi multiplicado pelo tombo das commodities (energia, comida, metais), produtos dos quais depende o valor de 60% da exportação brasileira. Sim, é razoável esperar preços menores, dada a crise americana. Sim, especuladores que venderam apostas em commodities não o fizeram só para cobrir perdas e realizar ganhos, mas para rearranjar risco e rentabilidade de sua carteira de investimentos tendo em vista expectativas sobre a demanda mundial (e sobre o dólar). Mas o mercado de commodities é pequeno em relação à dinheirama global. Qualquer movimento da finança bate forte nos preços. Commodities, porém, continuam escassas, e não se sabe quanto de seu preço é especulação e quanto reflete oferta e demanda.
Diz-se que o "rombo" divulgado ontem na conta corrente é resultado da crise mundial. Onde? Talvez já se veja um pequeno reflexo disso na morosidade das exportações. Talvez o aumento forte da remessa de lucros reflita em parte o balanço ruim na sede das múltis, mas o bom ganho das empresas e o real forte impulsionam o fenômeno. Além de remessas, o dado importante é o aumento de importações, que nada tem a ver com crise externa. O investimento estrangeiro em produção cresce. No lado dos compromissos da dívida, um histórico e grave complicador das contas externas, a coisa vai bem.
Teria havido uma silenciosa, espetacular e fantástica revolução se o Brasil não tivesse déficit em conta corrente com o PIB correndo a 5% e o consumo a 10%. Mas não houve revolução produtiva e o gasto do governo cresce demais -é tudo previsível. O problema, outra vez, será o de como reagir à possibilidade de um déficit perigoso, por período prolongado, e de melhorar as condições da oferta, no médio e longo prazos, sem mágicas e expectativa de milagres na política econômica. O mar global não está para peixe, mas, por ora, não ocorreu nada de excepcional, inesperado ou catastrófico.
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