02/04/2008

Pescadores expulsam resort de praia no CE


A comunidade da praia de Ponta Grossa, no município de Icapuí (CE), há dez anos tomou uma decisão surpreendente: não vender nenhum terreno para pessoas de fora.
Vem da praia vizinha – a famosa Canoa Quebrada – o exemplo do que ocorreu quando a especulação imobiliária atuou livremente.

– Sabemos bem o que acontece com o turismo de massa. A comunidade de Canoa Quebrada vendeu tudo e hoje as pessoas, quando muito, são empregadas nas pousadas e restaurantes. Não queremos isso para Ponta Grossa – diz Eliabe Crispym da Silva, presidente da Associação de Turismo, Meio Ambiente e Cultura (Astumac).

Como já sinaliza o nome da associação, a opção dos moradores foi por um turismo comunitário, mais equilibrado e com forte preocupação ambiental. 'Justamente por morarmos em ambiente de falésias, qualquer vacilo podemos perder tudo', ressalta Eliabe.

Isolada por morros e falésias, Ponta Grossa é uma vila onde moram 64 famílias de pescadores, aproximadamente 200 pessoas. Foi lá, alegam, que o Brasil foi descoberto em fevereiro de 1500 (dois meses antes de Cabral), pelo navegador Vicente Yáñez Pinzon.

Mais de 50% dos moradores já conciliam a atividade da pesca com o turismo comunitário, que se tornou uma das principais fontes de renda da comunidade.

Antes, as pessoas hospedavam os turistas em casa mesmo. Agora, a comunidade já obteve financiamentos (inclusive da Suíça) que possibilitaram a construção de chalés e pousadas nos terrenos ao lado das casas dos pescadores. Hoje, têm 80 leitos para hospedar visitantes.

- Tudo o que existe lá pertence à própria comunidade – diz Ana Paula Silva, representante da Fundação Brasil Cidadão para acompanhamento de projetos de turismo. A Fundação não apenas apóia a iniciativa da comunidade como está começando a disseminá-la por outros distritos de Icapuí.

Para ir à Ponta Grossa, os visitantes têm que seguir um conjunto de regras, que incluem não tentar adquirir qualquer imóvel, não agredir o meio ambiente e não fazer barulho excessivo. Além disso, há um acordo tácito entre os pescadores para combater o turismo sexual.

Distribuição da renda

Ponta Grossa está sempre com lotação esgotada em feriados prolongados, além de 200 a 300 visitantes que visitam a praia diariamente, mas não dormem lá.A comunidade desenvolveu um mecanismo interessante para distribuir a renda vinda do turismo e garantir a sustentabilidade de todos os negócios da vila.

A estadia dos visitantes é organizada de forma que eles consumam em vários locais, pertencentes a diferentes famílias. Podem, por exemplo, hospedar-se na pousada de uma família, tomar café da lanchonete de outra e almoçar no restaurante de uma terceira.

Embora realmente não haja muitas opções de escolha, esses roteiros, claro, são sempre sugeridos aos visitantes e nunca obrigatórios. Há também o desejo que os turistas circulem e interajam com o máximo de moradores.

Resort expulso

Praticamente tudo o que é decidido em Ponta Grossa passa pelo coletivo. Decisões importantes, como a de não vender terrenos para 'estrangeiros', são tomadas em assembléias com grande participação.

Foi justamente essa união que garantiu a criação de uma lei municipal transformando Ponta Grossa numa APA (Área de Proteção Ambiental).

A integração entre os moradores, por outro lado, também impediu a instalação de um grande resort numa praia próxima.

- Teve um caso que a gente reuniu toda a comunidade para impedir a instalação de um grande resort. Provocamos até uma audiência pública com a presença do prefeito e eles tiveram que desistir, conta, orgulhoso, o presidente da associação.

Para Ana Paula, a comunidade está tão coesa em seus propósitos que qualquer interferência, mesmo a do poder público, tende a ser negativa. 'A comunidade já se apropriou do processo. Daqui pra frente, se o poder público fizer alguma intervenção, ela não vai ser positiva', diz.

A experiência de Ponta Grossa já é uma referência para todo Ceará. Tanto que os representantes da comunidade foram convidados para mostrar sua experiência no II Seminário Internacional de Turismo Sustentável, que acontece nos dias 12 e 15 de maio, em Fortaleza. Boa sorte para eles!

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