Emiliano José*
Em princípio, segundo os paradigmas do chamado Estado de Direito democrático, o Judiciário, de modo muito especial, deveria evitar imiscuir-se no território da política. Evidente, elementar dizê-lo, que qualquer ação humana é política, num sentido muito amplo. No entanto, há o campo específico da atuação do Judiciário que, por ser o julgador, deve evitar dar opiniões políticas, quanto mais quando elas se referirem a causas que podem vir ainda a serem julgadas. É esse o debate que envolveu nos últimos dias o presidente Lula e o presidente do TSE, Marco Aurélio Mello.
Curiosa a reação de parte da imprensa e de alguns de seus colunistas, que passaram a deitar falação contra o presidente da República e a favor do presidente do TSE. Aparentemente, estão defendendo a autonomia do Judiciário, as liberdades democráticas, como se o Judiciário fosse uma espécie de Olimpo, infenso a críticas, como se a palavra de uma autoridade da Justiça tivesse sempre que ser acatada sem qualquer contestação. Besteira. O Judiciário, como o Executivo e Legislativo, tem sempre que ser acicatado pela crítica, venha ela de onde vier.
Há um inegável pendor do presidente do TSE pela política. É incontestável que seja pela palavra de seu presidente, seja por alguns de seus julgamentos, o TSE tem politizado de modo acentuado sua intervenção na vida brasileira. O Legislativo tem sentido isso, mas tem reagido de modo tímido, quem sabe pelo fato de lhe faltar ousadia e criatividade, como no caso recente das decisões relativas à fidelidade partidária. Como não faz uma reforma política profunda, é surpreendido pela fúria legislativa da Justiça, especificamente do TSE. A defensiva o condena ao silêncio.
Lula falou. Colocou o guizo no pescoço do gato. Criticou a intervenção do Judiciário nas questões políticas. O endereço era claro: as críticas feitas pelo presidente do TSE a um programa social do governo – Territórios da Cidadania. Este programa, como vários outros do governo Lula, pretende continuar enfrentando o problema da desigualdade social. Querer, como quer o presidente do TSE, que o governo não possa lançar programas sociais porque vão acontecer eleições municipais equivale a uma espécie de cassação branca de mandato. Seria reduzir o mandato de Lula a dois anos – aqueles onde não há eleição.
E o grave é que o presidente do TSE dá essa opinião e ela vira uma espécie de senha para que a direita brasileira – o DEM e o PSDB – outra e mais uma vez se insurja contra a disposição do governo Lula de livrar o Brasil da miséria absoluta. Essa direita não aceita que no decorrer dos últimos cinco anos as políticas do atual governo tenham tirado 20 milhões de pessoas da linha da pobreza absoluta – quem quiser saber melhor, é só recorrer, por exemplo, a matéria da Folha de S. Paulo de 16 de dezembro de 2007, também manchete do mesmo jornal.
Está certo o jurista e professor de Direito Penal, Luiz Flávio Gomes, quando critica o presidente do TSE e diz que o juiz “não pode falar fora dos autos”. (O Estado de S. Paulo, A13). Infelizmente, o presidente do TSE não absorve esse princípio.
** Artigo publicado na Página de Opinião, do Jornal A Tarde, dia 10/03/2008.**
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