Jonny DymondDa BBC News
A jornalista Ondine Millot, do francês Libération, levou seis meses para chegar à verdade sobre o lado mais sórdido da crise habitacional francesa.
Uma olhada pelos websites que anunciam imóveis basta. A frase que se procura é "em troca de serviços" – quando um quarto em um apartamento é oferecido, muitas vezes "de graça", em troca de "serviços".
Às vezes o serviço é perfeitamente inocente – limpar o apartamento ou lavar as roupas, uma maneira de reduzir os altos custos de alugar o imóvel.
Mas outras vezes as demandas são sexuais, degradantes, quase perversas.
"Sexo duas vezes por mês", diz um anúncio, direto. Outro procura alguém "aberto de espírito e de outras coisas".
"Apartamento em troca de serviços libertinos", diz um terceiro.
Sexo em troca
Ondine Millot – que normalmente cobre assuntos legais para o Libération – passou seis meses pesquisando estes anúncios e anunciantes para um artigo que expôs o negócio de trocar sexo por teto.
"Me surpreendeu muito que este tipo de coisa acontecesse", ela disse.
"Entramos em contato com muitos homens, fiz algo em torno de 50 ligações. A maioria dos anúncios 'em troca de serviços', em que não se especificava o anúncio, eram homens querendo sexo em troca de moradia."
O problema não está escondido em websites. Basta olhar entre as prateleiras de qualquer banca de jornal média parisiense e entre as biografias das ex-primeiras-damas francesa e americana estará a história extraordinária de Laura D.
Seu livro, Meus Caros Estudos (Mes Chères Études), narra como a jovem anônima deixou o frescor de estudante recém-ingressada na universidade para cair na pobreza e vender seu corpo para pagar o aluguel aos 19 anos.
'Laura', que encontrei no escritório de sua editora, é charmosa, embora terrivelmente preocupada em manter sua identidade secreta, a fim de poupar os pais de saber o que passou com sua filha.
Ela está revoltada. Diz que foi o custo astronômico dos imóveis que a colocou na rua.
"O aluguel superava 70% do meu orçamento", conta Laura. "Vejo minhas amigas, pessoas que eu conheço, todas vivem em lugares insalubres, minúsculos. Ou negociam com proprietários que alugam os quartos e às vezes abusam delas."
Sexo em troca de teto é o extremo de um problema que faz vítimas entre os franceses mais vulneráveis – os jovens e pobres.
O governo admite que a França enfrenta a pior crise habitacional desde o fim da 2ª Guerra Mundial.
Evidentemente, preços exorbitantes de imóveis não são uma exclusividade da França. Mas certas circunstâncias deixaram o mercado imobiliário francês – especialmente o de Paris – travado entre a oferta e a demanda.
Há proporcionalmente muito mais imóveis vazios em Paris que em Londres, por exemplo. Entre a bancarrota e a condição de sem-teto, pessoas vivendo em condições precárias são cada vez menos na capital britânica, e cada vez mais na capital francesa.
Na Grã-Bretanha, normalmente o proprietário ocupa o imóvel. Na França, o aluguel representa um meio de vida.
Protesto
Em uma república que se construiu através dos protestos de rua, não surpreende que uma nova geração de movimentos voltados para a questão da moradia tenha surgido na França.
Com suas manifestações, grupos como Jeudi Noir, Droit au Lodgement e Les Enfants de Don Quichotte conquistaram atenção – mas não concessões políticas, eles dizem.
O Jeudi Noir (Quinta-feira Negra, em tradução livre) é uma espécie de ala guerrilheira do movimento, alfinetando proprietários que buscam 'algo a mais' de seus inquilinos.
O grupo visita e filma apartamentos minúsculos oferecidos por valores exorbitantes.
Les Enfants de Don Quichotte (Os Filhos de Don Quixote, em tradução livre) causou grande constrangimento ao governo francês com uma "dormida ao relento" em massa no ano passado, quando centenas de ativistas e sem-teto passaram a noite em barracas instaladas ao longo do rio Sena, em Paris.
O Droit au Lodgement (Direito à Moradia, em tradução livre), junto com o Jeudi Noir, ocupou um antigo banco justo em frente à velha bolsa de valores de Paris, a poucos quarteirões do Banco da França.
O prédio foi rebatizado de 'Ministério da Crise Habitacional', e agora serve de sede para base e acampamento para o movimento.
As ações destes grupos mantêm o tema na agenda pública. Eles sabem que isto não construirá as milhões de casas de que a França necessita, mas acreditam que, sem pressão sobre os políticos nacionais e locais, a mudança nunca virá.
A ministra francesa da Habitação, Christine Boutin, reconheceu os esforços dos movimentos e disse que já começou a estudar maneiras de melhorar as condições do mercado imobiliário.
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