06/05/2008

Brasil não reconhece autonomia de Santa Cruz


Categorias: Brasil - política externa

AFP
O ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, disse em entrevista exclusiva a este blog que o Brasil não reconhecerá, para efeitos de política externa, os departamentos (é como os bolivianos chamam os estados) que se declararem autônomos em relação ao governo de Evo Morales. “Nós não favorecemos nada que ameace a integridade territorial da Bolívia”, afirmou.


O ministro se referiu a pontos específicos do estatuto de autonomia votado ontem em Santa Cruz, que têm o potencial de criar "embaraço a um governo nacional", segundo Amorim.
O artigo 82 do estatuto prevê que "os controles aduaneiros" de Santa Cruz serão definidos por lei local. A função hoje é cumprida por funcionários do governo central. Santa Cruz é a porta de entrada das exportações brasileiras na Bolívia e porta de saída do gás natural importado pelo Brasil.


Blog Américas: O Brasil reconhece a autonomia de Santa Cruz?
Celso Amorim: Não, não, não.
Blog Américas: O Brasil insiste na unidade da Bolívia?
Celso Amorim: Claro que o Brasil respeita o que são decisões internas na Bolívia. E não somos nós que temos a competência de dizer como fazer, de que maneira fazer.
Agora, obviamente nós não favoreceremos nada que ameace a integridade territorial da Bolívia. E tanto quanto eu posso ver alguns dispositivos que tem nos estatutos - que talvez até eles estejam dispostos a negociar e mudar, espero que sim - são dispositivos que no mínimo causariam embaraço a um governo nacional.
Eu disse a eles, em Santa Cruz: como é que o Brasil no Mercosul está disposto a botar tarifa zero para todos os produtos bolivianos, como vou fazer isso se a aduana de Santa Cruz for diferente da aduana central? Impossível.
Blog Américas: Então esse é um ponto...
Celso Amorim: Estou dando um exemplo. Dito isso nós achamos que, sim, tem que haver um diálogo [entre governo e oposição] e chegar a uma conclusão. Não é que nós sejamos contra o princípio da autonomia, isso até já foi votado lá em outros referendos. A questão é de como se faz autonomia, quem convoca e de que maneira - e quais são os resultados práticos.

Blog Américas: Justiça para o Paraguai significa mexer no preço pago pela energia de Itaipu?
Celso Amorim: Olha, essas coisas a gente tem de conversar com os paraguaios. Vamos, no momento adequado, nos sentar, ver o conjunto de coisas. O preço se compõe de vários elementos, há várias coisas que podem ser estudadas.
O que nós não podemos mexer é na essência do tratado. O tratado prevê que a energia de Itaipu é para o Paraguai e para o Brasil. Isso é essencial. Itaipu foi feito com esse espírito e isso tem de ser mantido. Como remunerar é uma questão. Podem se criar fundos, que podem também servir para o desenvolvimento do Paraguai. É uma coisa que nós podemos ver com calma.
Justiça para o Paraguai? Nós achamos que isso é correto. Não é que o Brasil tenha exorbitado ou feito uma coisa propriamente injusta. O Brasil fez o que do ponto-de-vista empresarial, dos investimentos, estava correto. Só que isso não foi o suficiente para desenvolver o Paraguai.
De quem é a culpa? Não sei. Mas é do nosso interesse que o Paraguai se desenvolva, que o Paraguai seja estável.
Blog Américas: Quando é que a Venezuela entra no Mercosul?
Celso Amorim: Nós esperamos que logo, inclusive isso já está no Congresso há algum tempo, já passou nas comissões da Câmara, mas tem de ser votado ainda no plenário, nós temos a expectativa de que isso possa ocorrer em breve, acho que será bom para o Brasil, bom para a Venezuela, bom inclusive para a democracia no continente como um todo, até porque o Mercosul tem como um dos seus pilares a cláusula democrática.
Blog Américas: A atenção dada aos países pobres por parte do Brasil é por ideologia ou pragmatismo?
Celso Amorim: É pragmatismo. Agora, o pragmatismo não quer dizer que não tenha um elemento de solidariedade. Tem um elemento de solidariedade com países pobres, países que estão passado por situações que o Brasil já passou, países que têm conosco muita identidade. Agora, na maioria dos casos é do nosso total interesse.
Então é também pragmatismo. Que as coisas caminhem bem na Bolívia, que é o país de maior fronteira com o Brasil, que as coisas caminhem bem no Paraguai, que é um país que é sócio da maior fonte de hidroeletricidade do Brasil é do nosso interesse. Que as coisas caminhem bem na Guiana e no Suriname, para pegar um exemplo menos comum, que são nossos parceiros inclusive na Amazônia, área tão sensível para todos, é do nosso interesse. Às vezes é dificil separar a solidariedade do pragmatismo.

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