20/06/2007

Exuberância brasileira


Robert J. Shiller - Valor Econômico

O mercado acionário brasileiro, mensurado pelo índice Bovespa (corrigido pela inflação), mais que quadruplicou em valor desde a primeira vitória eleitoral do presidente Luis Inácio Lula da Silva, em outubro de 2002, e está agora em patamar quase duas vezes superior ao pico registrado em 2000.


Em comparação, o índice composto Xangai também corrigido pela inflação apenas dobrou durante esse período, ao passo que o mercado acionário americano, conforme mensurado pelo índice Standard and Poor´s 500 (também corrigido pela inflação), subiu apenas 50%. Na realidade, os EUA nunca registraram uma alta de quatro vezes nos preços das ações em menos de cinco anos, mesmo durante a bolha no fim da década de 1990.


Como Lula é um esquerdista professo que tem Hugo Chávez e Fidel Castro entre seus amigos, o desempenho do Brasil é ainda mais surpreendente. Como conseguiu Lula presidir o país durante um espetacular boom no mercado acionário? Estarão os brasileiros excessivamente exuberantes? Será hora de os investidores estrangeiros tirarem seu dinheiro do país?


Os movimentos nas bolsas de valores são certamente difíceis de explicar, mas há razões para acreditar que os brasileiros podem estar vivendo uma exuberância racional. Os lucros empresariais no Brasil cresceram aproximadamente tão rápido quanto os preços das ações. Uma vez que as relações preço/lucro têm permanecido estáveis e moderadas, o boom no mercado acionário não parece refletir simplesmente uma inclinação psicológica do investidor.


Pelo contrário, a pergunta que se justifica é por que a alta nos preços das ações não ultrapassou o crescimento dos lucros empresariais. Afinal de contas, na década de 1990 a alta nas bolsas americanas (assim como em muitos países) foi alimentada por altas recordes nas relações preço/lucro. Nos EUA, em 1998, essa relação era igual a 24, em comparação com uma média histórica em torno de 15. Em contraste, o patamar de partida da alta dos preços das ações no Brasil foi bastante diferente - uma relação preço/lucro igual a apenas seis em 1998.


Quando um boom no mercado acionário alcança proporções históricas, sempre desenvolve-se uma narrativa para racionalizá-lo. A mídia noticiosa usualmente apresenta razões para justificar a visão segundo a qual a economia entrou numa "nova era". Às vezes, os artigos são meras invencionices com o objetivo de sancionar o otimismo do mercado, como no caso do boom da década de 1990. Em outras ocasiões, entretanto, as matérias nos jornais e revistas parecem mais consistentes.


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Lula qualificou este período como um "momento mágico" para a economia brasileira. Embora o qualificativo precise ser aceito com cautela, os fundamentos da economia o corroboram. O real vem registrando valorização contínua, tendo atualmente chegado a quase o dobro de seu valor frente ao dólar americano em outubro de 2002, quando Lula foi eleito pela primeira vez. A inflação e os juros estão em queda, o país registra um superávit comercial, os investimentos estrangeiros estão afluindo a um ritmo elevado e o governo mais que saldou suas dívidas para com o exterior, tornando-se um credor líquido do restante do mundo.


Assim, os investidores nas bolsas parecem estar reconhecendo a vitalidade econômica brasileira, monitorando atentamente o crescimento dos lucros empresariais - e pegando carona neles. Depois de sua solitária crença nas bolsas brasileiras durante 2002, os participantes no mercado acionário brasileiro estão agora vendo investidores de todo o mundo querendo participar da festa.


Apesar disso, em vista de escândalos de corrupção envolvendo destacadas figuras do governo que vieram à luz nos últimos anos, é natural indagar por que o mercado acionário continuou tão vigoroso. Por que é que as notícias de corrupção não provocaram uma crise, como ocorreu na esteira de escândalos similares na Coréia e na Malásia durante a crise financeira asiática em 1997-98? Sim, embora os escândalos tenham abalado o governo, Lula foi reeleito com esmagadora votação no ano passado, e os investidores continuaram a colocar dinheiro no mercado acionário.


Uma das razões é que os escândalos de corrupção proporcionaram aos investidores uma oportunidade de ver em ação a liberdade de expressão e a democracia brasileiras. Em jornais e TVs, comentaristas vêm reportando implacavelmente os escândalos, contribuindo para provar, a um só tempo, a investidores brasileiros e estrangeiros, que o sistema político brasileiro é suficientemente estável para suportar críticas abertas.


Lula continua popular entre os brasileiros porque sua retórica populista evidencia real simpatia para com os menos afluentes - e com os investidores estrangeiros, porque ele sempre temperou seu radicalismo de modo a acomodar a realidade econômica. Lula criticou recentemente as ameaças do presidente boliviano Evo Morales, de expropriar ativos estrangeiros: "O radicalismo é incompatível com o bom senso necessário a um governante". Essa combinação de radicalismo filosófico e pragmatismo econômico revelou-se uma fórmula perfeita para o progresso brasileiro.
É verdade que o futuro é um desconhecido; não temos bola de cristal para prever a provável trajetória da Bovespa. Mas, em minha opinião, a narrativa é bem mais convincente do que a que circulava durante o boom no mercado acionário na década de 1990.


Robert J. Shiller é professor de economia na Universidade Yale, economista-chefe na MacroMarkets LLC, da qual foi um dos fundadores (ver macromarkets.com) e autor de "Irrational Exuberance and The New Financial

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