12/07/2007

O terrorismo do apagão


O artigo abaixo esta disponível no blog do Luis Nassif (http://luisnassif.blig.ig.com.br/) ajuda colocar luz em um ambiente de penumbra na mídia brasileira que sempre anuncia o próximo e eminente apagão elétrico. Ronaldo Bicalho contribui com este artigo para desfazer os mitos irresponsáveis criados pela mídia golpista.

Enviado por Ronaldo Bicalho Grupo de Economia da Energia - IE/UFRJ


Prezado Nassif,


O anúncio da liberação do licenciamento prévio das duas usinas hidrelétrica do rio Madeira tem uma série de conseqüências relevantes que devem ser analisadas. Contudo, uma, em particular, me parece relevante, face à sua importância para o debate transparente e democrático das opções estratégicas do país no campo energético. Trata-se da maneira irresponsável, que beira a leviandade, com que é tratada a ameaça de um novo apagão no país. O dia de ontem começou com o anúncio, em um diário de grande circulação, de um apagão ameaçador, e terminou com o anúncio da liberação das usinas. Assim, os mesmos que diziam pela manhã que a vaca ia para o brejo, à noite afirmavam que agora não ia mais. E o pobre do cidadão que se vire no meio desse imbróglio.


(...) A possibilidade de ocorrência de uma situação de desequilíbrio entre oferta e demanda de eletricidade depende de um conjunto nada trivial de eventos, que vai de quanto a economia brasileira vai crescer nos próximos anos até as possibilidades reais de entrada em operação das plantas geradoras movidas a energias renováveis do PROINFA, passando pelo regime de chuvas, pela disponibilidade de gás, pelo licenciamento ambiental, etc. Para ficar apenas nos mais óbvios.


(...) O importante é discutir o que as sustenta, de forma a aclarar o debate, tornando-o mais honesto e transparente. Trocando em miúdos, são feitas previsões bombásticas pela imprensa que não se realizam, e nada é dito depois sobre as razões pelas quais elas não se realizaram. Por outro lado, configurações bastante favoráveis, que contribuem inesperadamente para evitar situações mais graves, são apresentadas como corriqueiras e naturais, de forma a sancionar determinadas políticas.

(...) O objetivo central da política energética é garantir o suprimento de energia. Para que isto seja alcançado é preciso construir um aparato institucional que possa sustentar um conjunto de ações e decisões que viabilize a sua consignação. A pergunta fundamental hoje no Brasil é: as instituições brasileiras associadas ao setor elétrico são capazes de conceber e implementar as decisões necessárias a garantir o suprimento de eletricidade nos próximos anos?


O essencial da questão aqui é que instituições fracas podem ser incapazes de lidar com um risco de déficit de 5%, ao passo que instituições fortes podem construir saídas para um déficit de 20%. Em outras palavras, um motorista ruim pode capotar a 10 km por hora, enquanto um bom motorista pode fazer uma curva a 100 km por hora.


A traumática experiência brasileira com o racionamento de 2001 gerou uma mudança institucional que buscou fortalecer a capacidade de coordenação das nossas instituições. Nesse movimento surgiram desde a obrigatoriedade da contratação centralizada da demanda das distribuidoras, via leilão, até a Empresa de Pesquisa Energética (EPE) e o Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE), passando pela criação da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE). Somando-se a isso, a manutenção do Operador Nacional do Sistema (ONS), da Agência Reguladora de Energia Elétrica (ANEEL) e do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), tem-se uma configuração institucional que, a princípio, apresenta condições melhores de fazer face aos desafios da coordenação setorial do que a que estava presente no período que antecedeu a crise de 2001.


Se considerarmos que a relação com as empresas estatais envolvidas com o setor, em termos de mobilização de recursos para evitar o pior, hoje é menos contraditória do que era na década anterior, pode-se afirmar que quando se contempla a capacidade de coordenação e mobilização de ações, decisões e recursos para garantir o suprimento de energia elétrica, constata-se que o quadro atual é melhor do que já foi. No entanto, isto não significa que os problemas acabaram, mas, simplesmente, que hoje eles estão colocados em outros termos.


A clareza sobre essa transformação essencial do setor elétrico brasileiro é fundamental para se evitar dois equívocos que geram lamentáveis conseqüências. De um lado, encontram-se aqueles que pensam que nada mudou, e seguem com os mesmos diagnósticos e prescrições, baseados na certeza do fracasso; de outro, acham-se aqueles que pensam que a simples mudança já traz embutida a solução, gerando uma perigosa imobilidade, baseada na certeza do sucesso. Desse modo, chega-se a duas conclusões simplórias: faltará energia porque este Governo é ruim, ou não faltará energia porque este Governo é bom.


Nesse sentido, o dia de ontem sintetizou esses equívocos corriqueiros no trato com os desafios atuais do setor elétrico brasileiro, que, de fato, produzem mais confusão e calor, do que entendimento e, literalmente, luz.


O que importa é que, no setor elétrico, nós estamos em um jogo que está sendo jogado; se vamos ganhar ou não é cedo para dizer. O importante aqui é estar jogando; e a liberação do licenciamento significa que estamos jogando. Portanto, vamos prestar atenção no jogo e nos jogadores, e não ficar fazendo profissão de fé nesse ou naquele time. Enfim, o jogo é jogado e o lambari pescado. O resto é conversa pra boi dormir e para rolar uma especulaçãozinha básica no preço da energia elétrica, porque afinal ninguém é de ferro.



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