09/08/2007

Ranhuras e rachaduras na pista da mídia


Prossegue a campanha anti-Lula na mídia através da tragédia do acidente em Congonhas. Enquanto isso, importante livro sugere a reflexão sobre a grande mídia que ela sempre se recusa a fazer.

Flávio Aguiar - Carta Maior

Apesar de todos os indícios apontarem para problemas técnicos no airbus da TAM como as causas principais da tragédia de Congonhas, talvez aliados a alguma manobra infeliz por parte dos pilotos, prossegue intensa campanha contra o governo Lula em torno do acidente. Há sempre o “mas...” de prontidão. É verdade que o airbus tinha problemas, é verdade que Congonhas é um erro acumulado por vários governos, mas... a culpa é do governo Lula e ponto acabou.
É verdade que é verdade que nos últimos dias houve um estardalhaço em manchetes culpando os pilotos, que teriam feito manobras inadequadas na cabine do vôo 3054, o que inocentaria a companhia aérea e a construtora do avião. Mas assim mesmo fica cada vez mais claro que as condições de vôo e as de pouso do airbus em pista molhada eram inadequadas, que os problemas vinham de dias e também que há problemas sérios de manutenção porque as companhias aéreas praticamente só têm hangares de conserto em S. Paulo, e justamente em Congonhas. Além disso fica claro que eleger esse aeroporto como ponto principal de conexão foi um erro estratégico. Se erro houve por parte do governo Lula foi o de sempre, isto é, o de agir “quae sera tamen”, isto é, o de agir sim, mas tardiamente, sob a coação dos fatos e sob a coação, a que não responde de modo adequado, da grande mídia interessada em derruba-lo, alguns nela eleitoralmente, outros nem tanto, exigindo quase a deposição manu militari ou manu populari do governo impopular – para ela, grande mídia.
Para entender as razões desse ódio quase atávico e cromossômico da grande mídia pelo governo Lula, há um livro na praça, recentemente lançado, de leitura indispensável. Trata-se de “A mídia nas eleições de 2006”, com vários autores, organizado pelo professor Venício Artur de Lima, da Universidade de Brasília (Editora Fundação Perseu Abramo). Especialista no assunto, o professor Lima publicou em 2006 o livro “Mídia: crise política e poder no Brasil”, também publicado pela Editora Fundação Perseu Abramo.
No livro de 2006 o professor analisava o comportamento da grande mídia brasileira durante a crise política de 2005/2006. Apontava para um permanente “inconformismo anti-democrático” (pág. 46) por parte de muitos jornalistas da cobertura política na mídia brasileira. Esse inconformismo, apontava o professor, atingia não só a leitura da reação das classes populares no Brasil, diante da campanha diária contra o governo Lula em jornais e na tevê e rádio, como transbordava para a desqualificação das eleições que deram vitória ao candidato popular na Bolívia ou que eliminaram a preferida dos conservadores, como no Peru.
Além disso o professor fazia longa análise da intimidade histórica da Rede Globo com o poder e sobre a estrutura do sistema brasileiro de mídia, título de um dos seus capítulos.
No livro organizado em 2007, Venício Lima organizou estudos dele e de mais 15 jornalistas, acadêmicos ou não, sobre o comportamento da mídia brasileira durante as eleições de 2006. Fica claro que a grande mídia brasileira dispôs-se a impedir a reeleição de Lula, assim como agora tenta desmoralizar mais uma vez o seu governo. Para tanto imaginou colocar ranhuras na pista na reeleição, não para garantir aderência ao avião do candidato, mas para gruda-lo no solo, impedindo que levantasse vôo. Fica claro, porém, que a campanha não deu certo, e o livro procura esmiuçar as causas tanto do ódio a Lula e a um governo popular quanto do seu fracasso em sua campanha. Não só o avião levantou vôo, como a pista da grande mídia apresentou rachaduras consideráveis, expondo um hiato enorme entre seus propósitos e a realidade da opinião pública majoritária exposta nas urnas em outubro de 2006, nos dois turnos da eleição presidencial.
Em sua introdução aos 15 outros artigos, o professor Venício Lima aponta as seguintes considerações/questões/conclusões:
1. “Houve desequilíbrio na cobertura jornalística dos candidatos,verificado por instituições independentes de pesquisa”. Claro queo desequilíbrio favorecia o candidato conservador, GeraldoAlckmin. O professor também aponta o conluio entre o delegadoEdmilson, da PF, e jornalistas da Folha de S. Paulo, O Estado deS. Paulo, O Globo (e TV Globo) e Rádio Jovem Pan, “para acertarclandestinamente a versão a ser dada na divulgação das fotos” [dodinheiro apreendido com os petistas que iriam comprar o supostodossiê anti-Serra]. Assinala o professor que “a cumplicidade dosjornalistas com o delegado foi inicialmente revelada em matéria daAgência Carta Maior” (pág. 19).
2. “Prevaleceu uma atitude de hostilidade ao candidato Lula entre osjornalistas da grande mídia”.
3. “Houve um 'descolamento' entre a opinião dominante na mídia e aopinião da maioria dos eleitores”.

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