14/06/2007

Racismo e hipocrisia


Somente na semana passada, “Veja” descobriu que não existem raças na espécie humana. A revista dos Civita, além de reacionária, é retardada - coisa que já desconfiávamos. Há décadas se sabe que as diferenças biológicas entre os indivíduos de uma determinada etnia são maiores do que aquelas existentes entre indivíduos de etnias diferentes. De Franz Boas, no final do século XIX, até Stephen Jay Gould, falecido em 2002, passando por outros cientistas, esta se tornou uma verdade corriqueira.


Porém, só agora “Veja” a descobriu. Tal retardo intelectual não é por acaso, assim como não é acaso que o Civita tenha arrumado como financiador, quer dizer, “sócio”, o grupo sul-africano Naspers, mídia do Partido Nacional, o partido do apartheid na África do Sul.


Há quase 100 anos que somente os racistas têm sustentado – ou, melhor, expectorado – a existência de raças na espécie humana, e, claro, a superioridade da “sua raça” sobre “outras raças”. Os colonialistas do século XIX, Hitler, os racistas da África do Sul e os sionistas mais histéricos, todos estribaram sua exploração e genocídio sobre determinados grupos humanos em uma suposta inferioridade racial desses grupos. A demonstração científica de que o racismo é uma sandice, um preconceito estúpido e tresloucado, não os comoveu. Que o digam os negros, judeus, eslavos e árabes.


Mas era esperar demais que “Veja” reconhecesse seu atraso na matéria e se penitenciasse de seu passado racista. Segundo a revista, o fato de não existir raças prova que o racismo não existe. Ou, mais precisamente, prova que o racismo real não existe, pois “Veja” também descobriu que racista mesmo é quem acha que o racismo existe. Como poderia existir o racismo, se as raças não existem? Só racistas, certamente, poderiam denunciar racistas por racismo.
Se o leitor sentiu uma pequena sensação de tontura com esse contorcionismo, não se preocupe. É normal. O velho Einstein tinha razão: além do universo, só a estupidez de certos elementos é infinita. Do fato biológico de que não existem raças na espécie humana, não se depreende que não haja o fato social (ou anti-social) do racismo. Confundir uma coisa com a outra só é possível a patifes, canalhas, e, de forma geral, a débeis mentais. Pelo contrário, exatamente por não existirem raças, é mais escandaloso o caráter anti-humano do racismo e seu papel de instrumento bestial dos imperialistas, colonialistas, nazistas e outros gangsters. É um acaso que só exista hoje um país no mundo onde o conceito de “raça” ainda é levado oficialmente a sério, e este país seja, exatamente, os EUA?


Tudo isso vem a propósito do sistema de cotas para o ingresso nas universidades públicas. Segundo a revista, dois gêmeos idênticos reivindicaram sua inclusão nas cotas da UnB, mas somente um conseguiu que sua solicitação fosse deferida, apesar do patrimônio genético idêntico. Na linguagem porno-nazista de “Veja”, um foi considerado negro e o outro branco. Mas o que tem esse erro - aliás, logo corrigido pela universidade - com a justeza ou não do sistema de cotas? Rigorosamente nada, assim como o erro de um mesário em dia de eleição não invalida o sistema democrático.


Sem dúvida, as cotas não são a panacéia universal. Mas qualquer um sabe que os negros, depois de séculos de escravidão, ao conquistar sua liberdade, foram marginalizados: a própria indústria existente no país entre 1888 e 1930, preferia trabalhadores imigrantes a trabalhadores oriundos da Abolição e seus descendentes, como Celso Furtado ressaltou em seu clássico “Formação Econômica do Brasil”.


Com a Revolução de 30, muito se fez para remediar essa situação, a começar pela lei que determinava que dois terços dos trabalhadores nas empresas fossem brasileiros. Com isso, Getúlio incorporou os negros ao processo produtivo moderno. Também legalizou o ensino da capoeira e promoveu o samba como expressão musical do país.


No entanto, apesar desses avanços, é evidente que os negros ainda são discriminados no país, é evidente que a parcela deles com formação universitária é inferior a de outros segmentos da população, e é evidente que o Estado necessita combater essa desigualdade, promovendo os descendentes daqueles que, segundo Nabuco, construíram a Nação. Não há nada mais injusto do que tratar realidades desiguais como se fossem iguais. Tal farisaísmo somente serve para perpetuar a injustiça - e requentar o caldo de cultura dos racistas que atribuem inferioridade biológica àqueles que são apenas discriminados socialmente.


É exatamente aí que “Veja” quer chegar – e chega – com sua suposta descoberta de que não há raças na espécie humana. Se não é necessária nenhuma política para compensar os séculos de discriminação e marginalização, se os que estão em desigualdade, isto é, as camadas menos favorecidas, não precisam de atenção alguma para que superem a sua situação atual, então só há uma explicação para sua posição inferior na sociedade: elas estão em situação social inferior porque são inferiores. A afirmação de que não existem raças humanas, para esse tipo de hipócrita, de cretino a la Civita, é, portanto, mera presepada.


Se dúvida pudesse haver, bastaria lembrar a promoção feita por “Veja” quando dois racistas de Harvard publicaram “A Curva do Sino”, charlatanice que propugnava a menor inteligência dos negros. A prova, além de alguns testes de Q.I. já desmascarados por Gould (cf. seu brilhante “A Falsa Medida do Homem”), era a própria situação social dos negros. Ou seja, a discriminação social era travestida de inferioridade biológica.


“Veja” continua a mesma. Mas, talvez, isso não seja acurado: está mais cínica - e mais racista. Até o pessoal do apartheid virou seu proprietário.


Hora do Povo


Rizzolo: Existe no bojo da matéria da ” Veja”, no meu ponto de vista, uma insinuação que é a seguinte: Porque dar oportunidade a negros se raça não existe , logo, negros não existem, logo, não precisam de ajuda, porque são iguais a todos, logo não vamos dar oportunidade porque no fundo , mas bem no fundo mesmo negros são inferiores.

Agora ignorar que os negros depois de séculos de escravidão, ao conquistar sua liberdade, foram marginalizados chega a ser uma maldade ” Sul africana”, a própria indústria existente no país entre 1888 e 1930, preferia trabalhadores imigrantes a trabalhadores oriundos da Abolição e seus descendentes.


Basta ir aos Tribunais, nos ambulatórios médicos, ver os professores universitários, quantos são negros ? Quantos ? Mas isso para os defensores do separatismo etnico, isso, não vale nada, dizem eles ” se existem poucos é porque não batalharam não é, não mereçem ” Colher de chá “. O velho Einstein tinha mesmo razão: além do universo, só a estupidez de certos elementos é infinita.

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