26/04/2008

Seriamos naturalmente medíocres?



Quando foi fundada nos idos de mil quinhentos e trinta e seis, nossa Ilhéus começava ali uma sina que marcaria sua historia quase quinhentista, a sina de ser medíocre, não a cidade é claro, uma das mais belas do Brasil, medíocre é a sua gente, somos-nos, calma, é claro que toda regra tem exceção, em nosso caso muitas e boas exceções, a nossa mediocridade não é exatamente individualizada neste ou naquele ser, nosso exercício de mediocridade é coletivo, uma síndrome, algo que exercemos de forma natural, mais ou menos inimaginável, mas que ao longo dos anos tornou-se uma indesejável sombra no nosso caráter coletivo.

Em 1718 quando os naturalistas alemães Philipp von Martius e Johann Batist von Spix aportaram por aqui coletando plantas que formaria mais tarde o herbário mater da botânica moderna, assim descreveram a Ilhéus que viram no inicio do século XVIII: ...Atualmente a povoação não tem uma só casa sólida, pois o Colégio dos Jesuítas, construído em 1723 com grés e tijolo, desabitado e abandonado já começa a cair em ruínas. A vila e toda a freguesia contam hoje com apenas 2.400 almas, embora seja cabeça de comarca... Quanto à educação, diligencia e atividades, são os habitantes desta região muito inferiores aos mineiros, mesmo os das vilas menores... Indolência e miséria andam também aqui de par, e, satisfeitos com seu estado de constante ociosidade, sem aspiração mais elevadas, os habitantes de Ilhéus descuidam tanto da agricultura que eles próprios não raro passam fome...

Essas impressões pouco lisonjeiras de viajantes, naturalistas, escritores e outros, se repetem em relatos diversos de muitos que aportaram por aqui ao longo destes quatro séculos e meio (Príncipe Maximiliano de Wied-Neuwied, Robert Ave-lallemant etc...), sempre a baterem na tecla da indolência, do descuido, pobreza, ociosidade e falta de aspirações.

Uma das marcas mais clara da nossa mediocridade coletiva é nosso caráter antropofágico, não aceitamos e nem gostamos do sucesso dos outros principalmente se este outro for nosso conterrâneo. Desconfia-se de todos, se alguém melhora na vida “foi golpe” se outro alguém é contemplado com uma capacidade brilhante um intelecto culto “é chato ou louco”, se é político é ladrão, se da uma opinião é lobista, é vendido, é governista ou ante-governista. Assim vamos eternizando nossa pobreza material e intelectual, nossa habilidade para o ignóbil, haverá sempre um rótulo a ser colado neste elemento ousado que ousa ter opinião e atitude. Nosso esporte predileto é ser gentil à frente e deletério as costas.

Contemporânea de Salvador, Recife, São Vicente, Olinda e Rio de Janeiro, parte ativa no cenário teatral de epopéia colonizadora Lusitânia, perdemos o bonde da historia em algum momento do passado. Dirá alguém que foram as intermináveis batalhas contra os índios como se não fora assim por toda a costa brasileira. Melhor que outras cidades tivemos sempre uma geografia privilegiada, localização centralizada na costa, abundância de terras férteis e clima propício.

Qual teria sido nosso pecado original? Qual víbora a nos servido a maçã do paraíso? Seriam as amendoeiras, arvore exótica carregadas de maus presságios nossa áspide?

A bem da verdade e justiça seja feita, os ilheenses nunca se acovardaram, basta rememorar as vitoriosas batalha contra a invasão de corsários franceses, lutas heróicas contra soldados holandeses a serviço de Mauricio de Nassau, todos enxotados na ponta do sabre por bravos ilheenses, propositadamente e rapidamente esquecidos.

Em nossas ruas brotam nomes de figuras sem a menor importância para nossa historia quando poderíamos estar orgulhosamente a passear por ruas batizadas com nomes de ilustres ilheenses; Catussadas, João Mangabeira, Mario Pessoa, Nelson Schaun, Epaminondas Berbet de Castro, Adonias Filho, Moema Parente Augel, Baltasar da Silva Lisboa, André Mauricio de Carvalho, Reizinho, Florianel Portela, Mario Gusmão, Saul Barbosa, Aldair, Jojo de Olivença entre outros mil.

Para ilustrar esse quadro de descuido com nossa própria alma, com nossa memória, com nosso passado é de se perguntar se seria concebível em outro lugar civilizado do planeta que uma cidade com quase quinhentos anos não cultivasse um museu se quer?

Se pudemos nos orgulhar de nossa Academia de Letras, da nossa tradição literária, não poderemos jamais esconder a vergonha de nunca termos tido a vontade e coragem de cumprir a mais obvia das nossas obrigações de cidadania, dedicando um museu a nossa própria historia, aos homens e mulheres que construíram essa terra, ao nosso sangue e nosso suor.

Seria bobagem de minha parte realçar os mil encantos naturais de Ilhéus, as belezas impares, as estórias incríveis, os romances impossíveis, as batalhas memoráveis, isso os ilheenses estão cansados de saber, o que nos não sabemos é valorizar nossas perolas, é realçar nossa importância, não sabemos nos vestir de altivez e orgulho, empunhar a espada de Jorge contra o dragão da maldade, as maldades de nossas cabeças vazias e medíocres que nos acorrenta a nossa pequeneza em não conseguirmos traçar uma dúzia de palavras em meia dúzia de linhas que definam quem somos o que queremos e para onde queremos ir.

Este debate sobre o novo porto realça o que nos ilheenses temos de melhor e de pior em nossas almas. Os interesses coletivos são facilmente varridos para debaixo dos tapetes das vaidades, a nobreza do embate intelectual termina na pobreza dos xingamentos a razão necessária é trocada pelo emocionalismo barato, os interesses de alhures é mais importante do que de todos.

Não tive a honra de nascer ilheense, tenho somente o orgulho de ter me tornado ilheense e a gloria supremo de ter gerado filhos ilheenses, mas tenho sim um coração em eterno transbordo de amor por essa terra, não devo isso a você, devo as pessoas mais humildes os ilheenses catadores de caranguejo a natureza gigantescamente verde e azul, aos rios, matas e colinas, a brisa fresca do inicio da tarde, ao mar da Bahia a Lagoa Encantada, ao mirante da Conquista e ao cheiro do cacau.

No entanto, não tenho duvida da mediocridade latente, da postura leniente em relação à cidadania, da falta de visão de futuro, me envergonha ver pessoas aplaudindo pintura de muro e tapa buracos como obras do divino.

Que teremos a dizer sobre as milhares de crianças a cheirar cola e fumar crak que perambulam pelos morros e ruas? Como aceitar a mendicância epidêmica? As calçadas quebradas? Os carros estacionados no caminho do cidadão? Os mangues sendo invadidos? Os esgotos sem coletas? A pestilência mal cheirosa que invade as narinas em cada esquina?

Por que não antes de ser contra ou a favor do porto sermos todos a favor de Ilhéus? Você pode me explicar? Ou sua mediocridade não deixa?

Que viva Ilhéus, que viva Jorge.



Gerson Marques

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