21/04/2008

O novo ombudsman da Folha

Algumas observações sobre a entrevista do novo ombudsman da “Folha”, Carlos Eduardo Lins da Silva. O Carlos é um jornalista diferenciado, com formação acadêmica (professor da ECA), me substituiu como secretário de Redação na Folha quando pedi demissão, em 1984.

É homem dos conceitos, não da reportagem, como era o Mário Magalhães e o Marcelo Beraba. E tem vasta produção intelectual.

Aqui, a íntegra da entrevista.

E aqui as observações minhas:

FOLHA -Jornais brasileiros e americanos vivem situações opostas. Lá eles perdem circulação e receita com publicidade. Aqui cresceram as vendas e o volume de anúncios. Qual a razão desse descolamento?
CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA - O que acontece no Brasil é uma coisa ilusória e acho que os jornalistas brasileiros não deveriam se iludir com esse bom momento. Primeiro, porque a internet não está muito disseminada aqui como nos EUA. (...) Na minha opinião, é irreversível a tendência de os jornais impressos perderem circulação.

FOLHA - Você não acredita que possa crescer o número de leitores de jornais impressos com mais pessoas alfabetizadas e com mais dinheiro no bolso? Nos EUA, nos anos 60, 80% dos americanos com 18 anos ou mais liam jornais durante a semana. Hoje, ainda são cerca de 50%. O Brasil nunca chegou nem perto disso.
LINS DA SILVA - O problema é que no Brasil o crescimento dos meios de comunicação foi atropelado. Nos EUA, o desenvolvimento do capitalismo foi mais ou menos ordeiro. Houve a afluência monetária, que atingiu grande parte da população. Houve a conquista de direitos trabalhistas, que garantiu mais tempo para o lazer. Houve a alfabetização universal. Tudo isso levou a que quase todo mundo lesse jornal. Depois disso surgiu a televisão, a internet. No Brasil, não houve distribuição homogênea de riqueza, ainda há muitos analfabetos e você teve, antes de a leitura de jornais se universalizar, a chegada da televisão e da internet. Então, acho que essa universalização nunca vai ocorrer.

Boa análise.

FOLHA - Para enfrentar a perda de circulação, alguns jornais americanos apostam na hiperlocalidade. Focam cada vez mais na própria comunidade. Essa será uma tendência para o Brasil?

LINS DA SILVA - Não sei se isso vai funcionar nem nos EUA. Há uma outra diferença entre os jornais americanos e brasileiros, que é a questão da credibilidade. Lá, eles passam por um momento de perda da credibilidade. Aqui, não. (...) Para mim, a saída para o jornal impresso é apostar na profundidade, na qualidade e ter mais foco, tratar de menos assuntos. Porque isso a internet não pode dar.

É evidente que a Internet pode dar muito mais. A quantidade e profundidade das informações que circulam por blogs, listas de discussão, fóruns online, é infinitamente maior do que a que os jornais divulgam. Não há termos de comparação entre o potencial e as ferramentas da Internet para gerar informações e permitir a organização de grande massa de dados, e o papel estático dos jornais.

FOLHA - Alguns jornais ingleses tentam esse modelo mais focado e mais aprofundado, mas não obtêm mais leitores com isso.

LINS DA SILVA - Eu acho natural que esse modelo que eu defendo tenha menos leitores que o modelo atual. (...) E o mais importante, ele pode ter mais influência social do que esse jornal dirigido ao público em geral, que é muito caro para ser produzido.

Boa análise, que vai ao centro da questão: cada vez mais, para sobreviver, os jornais terão que se tornar referenciais de opinião. Compare-se essa tendência (que, concordo, é a última saída dos jornais) com o padrão atual, de jogar fora a credibilidade para privilegiar o show ou o fundamentalismo. O caso Veja é o mais significativo desse processo de jogar fora os chamados valores intrínsecos do produto notícia.

FOLHA - Do ponto de vista da qualidade da informação, deixando de lado circulação e publicidade, você acha que os jornais brasileiros vivem um bom ou mau momento?

LINS DA SILVA - Acho que vive um bom momento, uma vez que não perderam credibilidade, como aconteceu nos EUA.

Como assim? Em que país Carlos Eduardo está vivendo?

Por outro lado, acho que os jornais brasileiros perderam o poder de influenciar. O maior exemplo foi a eleição presidencial de 2006. (...) Da mesma forma, no momento do mensalão, a maioria dos jornais de qualidade no Brasil preferia que o desfecho fosse outro.

Influência é diretamente proporcional à credibilidade. Como podem ter perdido influência e mantida a credibilidade? Perderam influência porque perderam credibilidade.

FOLHA - A internet trouxe mais participação dos leitores. Você vê futuro nessas experiências que usam o leitor como provedor de conteúdo?

LINS DA SILVA - Sou bastante cético com relação a isso. Essa suposta democratização da internet, que permitiria ao cidadão ser repórter, é muita demagogia. O público precisa de informação apurada com rigor, com método. Só algumas pessoas, que têm jeito e experiência, conseguem fazer isso.

Carlos trata a Internet como algo estático. É evidente que o meio vai avançar na organização e captação dessas informações. Não se pode supor que esses primeiros ensaios de leitor-repórter sejam a forma definitiva. É só pensar o futuro com um mínimo de criatividade para perceber o potencial fantástico decorrente dessa perda da primazia, pela imprensa, do monopólio da intermediação na divulgação da informação.

FOLHA - A internet permitiu também a proliferação de blogs, muitos com enfoque político. Você acha que esses blogs já conseguem influenciar a opinião pública?

LINS DA SILVA - No Brasil, com certeza não. Nos EUA, sim. Essa influência está sendo sentida na eleição presidencial. No entanto, eu acho que é uma influência ruim, perniciosa. Os blogs tendem a acirrar as divisões. Por exemplo, eu acho que essa disputa entre a Hillary Clinton e o Barack Obama está sendo prejudicada pela divisão que os blogs atiçam entre negros e brancos, entre mulheres e homens, entre trabalhadores industriais e profissionais liberais, que é a divisão que se estabeleceu na demografia eleitoral da Hillary e do Obama. No Brasil, é parecido, mas é muito menor porque é pequeno o número de pessoas com acesso à internet e que lêem esses blogs. Mas cria-se um mal-estar por causa do radicalismo de alguns deles, que não argumentam, ofendem. Descem a um nível que nem se pode chamar de debate. E isso contamina o tal formador da opinião pública, que muitas vezes lê esses blogs e acaba sendo contagiado pelo radicalismo, o que cria situações artificiais. (...)

Total concordância quanto aos blogs de ofensa..

enviada por Luis Nassif

http://www.projetobr.com.br/web/blog/5

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