06/06/2007

O avanço dos cruzeiros


Com preços competitivos, muito luxo e sem sofrer os dissabores do apagão aéreo, os navios batem recordes de passageiros e roubam clientes de resorts na alta temporada

Por Carla Aranha

Entre o final do ano passado e o verão de 2007, algumas das grandes estrelas internacionais do mundo dos cruzeiros percorreram o litoral brasileiro pela primeira vez. Um dos destaques foi o SeaDream, considerado o mais luxuoso cinco-estrelas flutuante do mundo. Antes de aportar por aqui, a embarcação já tinha feito fama em viagens pela Europa e pelo Caribe. Com capacidade para 110 pessoas (que são recepcionadas no embarque com champanhe e caviar), o navio é conhecido pelo alto padrão de serviço e por atrações como um spa aquático e um deque que se abre para os tripulantes realizarem passeios no mar de jet-ski, windsurfe ou caiaque. Em sua passagem pelo país, os preços das cabines do SeaDream variaram de 4 200 a 17 250 dólares para roteiros de nove dias entre o Rio de Janeiro e Buenos Aires, operados pela companhia Queensberry. Outro navio que esteve no Brasil pela primeira vez na última alta temporada foi o Grand Voyager, trazido pela CVC. Um dos transatlânticos mais rápidos do mundo, o Grand Voyager levou mais de 800 passageiros a cada saída para passeios de três e quatro noites pela região de Búzios e Angra dos Reis, além de fazer viagens de seis noites para Porto Seguro e Fortaleza. Comparado ao SeaDream, o Grand Voyager foi uma pechincha: o pacote saiu a partir de 552 dólares por pessoa.

Encerrada a alta temporada brasileira, as companhias marítimas e operadoras do setor têm motivos para comemorar. No período, 12 navios realizaram cruzeiros pelo litoral brasileiro, transportando 330 000 pessoas -- um crescimento de quase 40% no número de passageiros em relação ao ano anterior. Somente a CVC, a maior operadora de turismo do Brasil, fretou cinco navios e transportou cerca de 110 000 passageiros. Animadas com esses resultados, as empresas querem bater novos recordes em 2008.

A expectativa é que, no próximo verão, cerca de 430 000 brasileiros façam cruzeiros em algum dos 15 navios que virão ao país. "O mercado de viagens marítimas no Brasil é altamente promissor e deve crescer ainda mais", afirma Eduardo Nascimento, presidente da Associação Brasileira das Empresas Marítimas (Abremar).

Enquanto os representantes das companhias marítimas estouram champanhes, seus principais concorrentes, os resorts, lamentam a perda de mercado. Em 2006, o conjunto desses estabelecimentos no Brasil vendeu 1,7 milhão de diárias, queda de 4% em relação a 2005. A taxa média de ocupação no período caiu de 55% para 53%. Cruzeiros e resorts disputam o mesmo tipo de público, ou seja, os turistas que gostam de praia e um bom cardápio de mordomias à sua disposição nas viagens. Essa impressão foi corroborada com um levantamento recente do Instituto de Pesquisa, Ensino e Capacitação de Turismo, órgão vinculado ao Sindicato das Empresas de Turismo no Estado de São Paulo. Segundo esse trabalho, metade dos brasileiros que viajam regularmente nas férias admite trocar as viagens de avião por cruzeiros.

"Por enquanto, os navios estão ganhando essa guerra pelo público", diz Alexandre Zubaran, presidente da Resorts Brasil, entidade que reúne os maiores empreendimentos do setor. "No último verão, os resultados foram muito ruins, pois a crise dos controladores aéreos nos prejudicou demais", afirma o executivo, referindo-se ao caos que tomou conta dos aeroportos brasileiros no ano passado. O problema atingiu em cheio os resorts, já que a maioria deles se localiza no Nordeste e é freqüentada por moradores do eixo Rio­São Paulo. Segundo estimativas da Associação Brasileira das Agências de Viagem (Abav), no auge da confusão nos aeroportos, em dezembro, houve uma queda de 8% na venda de pacotes turísticos para destinos nacionais. "Boa parte das pessoas que desistiram das viagens aéreas acabou migrando para os cruzeiros", afirma Zubaran.

Mas o apagão aéreo não é a única explicação para o avanço dos cruzeiros. Como os pacotes marítimos são cotados em dólar, eles se tornam atraentes em períodos de desvalorização da moeda americana, como atualmente. A política agressiva de preços e a diversificação dos roteiros também têm sido motores desse negócio. Enquanto uma viagem de quatro noites em uma embarcação luxuosa pode custar menos de 900 reais para dois passageiros que dividam uma cabine, um pacote para casal em um resort, durante o mesmo período, não sai por menos de 2 000 reais. Os administradores dos resorts se queixam de que a diferença é fruto de uma concorrência injusta. Uma das vantagens dos navios é que eles não arcam com encargos trabalhistas brasileiros, já que todos têm bandeira estrangeira e operam com mão-de-obra internacional. "Além disso, eles não pagam impostos sobre gastos que pesam na conta dos resorts, como a conta de energia elétrica", diz Zubaran.


A briga pelo turista


Enquanto os resorts sofreram ligeira queda entre 2005 e 2006, os cruzeiros tiveram crescimento expressivo

Resorts -4% em diárias vendidas
Cruzeiros +38% em passageiros transportados

Fontes: Resorts Brasil e Abremar

Para tentar mudar o jogo, a Resorts Brasil pretende convencer o governo a criar uma lei de cabotagem que estabeleça regras para cruzeiros na costa brasileira -- entre outras medidas, seria exigida por aqui a contratação de mão-de-obra brasileira, com o pagamento dos respectivos encargos trabalhistas. Também está nos planos dos resorts investir em campanhas publicitárias no exterior, principalmente na Europa, para atrair mais hóspedes estrangeiros. Outra estratégia é apostar no turismo corporativo -- um segmento ainda pouco explorado pelos navios --, como já vêm fazendo a rede Blue Tree e o resort Costa do Sauípe.

Indiferentes às críticas, as companhias marítimas vão continuar colocando em prática uma forte estratégia de expansão para os próximos anos. Um dos pilares desse plano é a manutenção da agressiva política de preços. Promoções devem permanecer na ordem do dia, com benefícios como terceiro hóspede gratuito e bônus para passagens aéreas. A Costa Cruzeiros, por exemplo, planeja ampliar para a próxima alta temporada a campanha da promoção Pague Já, que oferece descontos de 20% para passageiros que reservam a cabine com antecedência. O objetivo é democratizar os cruzeiros, atraindo novos tipos de público, como os casais de classe média e os jovens. Além dos descontos nas passagens, as empresas tentam criar novas opções de entretenimento a bordo. No lugar dos "clássicos" do ramo (como as aulas de lamba-aeróbica na piscina das embarcações), surgem atrações como apresentações de escolas de samba ou corridas de bicicleta pelo convés.

Outra tendência do mercado é a proliferação dos chamados cruzeiros temáticos. "É uma boa maneira de atrair passageiros diferenciados, que talvez nunca tenham pensado em fazer uma viagem de navio e que podem se tornar passageiros cativos", diz Ricardo Amaral, diretor de marketing da Sun & Sea, uma das operadoras que mais centram esforços nessa estratégia. Representante da Island Cruises, a empresa criou no último verão roteiros como o Pânico no Navio (de três noites, a 349 dólares por pessoa), realizado em dezembro com a turma do programa Pânico na TV fazendo gravações a bordo, e o Vibe Fest on Board (de três noites, por 249 dólares), em janeiro, com festas comandadas por DJs todas as noites. É com estratégias como essas que os cruzeiros pretendem bater novamente os resorts no próximo verão brasileiro.


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