13/03/2008

A cor dessa cidade sou eu?


O cantor baiano Caetano Veloso talvez nem imaginaria que o título da sua música Atrás do trio elétrico, de 1969 (do famoso verso “Atrás do trio elétrico só não vai quem já morreu”), também seria uma grande profecia a se confirmar no século 21, e por vários motivos.

Um deles é que os trios elétricos, criados como alternativas para democratizar o Carnaval e mantê-lo popular e acessível, hoje são dirigidos como grandes empresas. E, como toda grande empresa, o cliente tem sempre razão. Ou seja: quem pode pagar se diverte, quem não pode... Para quem não sabe, do outro lado da corda, o baculejo é geral.

Quem não tem chão tem que sair do chão, mesmo! Mas a rua não é pública?

Outro motivo é que a juventude negra das comunidades periféricas está sendo assassinada indiscriminadamente pela polícia truculenta de Salvador, e, como todos sabem, mortos não se divertem, pelo menos por aqui. Os crimes cometidos por esses jovens? São negros, no Estado mais africano do país.

Se liga, meu rei, os súditos estão de olho no castelo.

Como disse, do outro lado da corda, o baculejo é geral, amplo e irrestrito; nas vielas das favelas, o sangue escorre. Enquanto os turistas estão com a boquinha na garrafa, o sarrafo come, sem direito a lembrancinha de Nosso Senhor do Bonfim: “Ó paí, ó!”

Pois é, quando a cantora Ivete Sangalo canta que o povo do gueto mandou avisar que vai rolar a festa, acho que ela está falando de uma outra festa e de um outro gueto, a elite branca, que, com certeza, não é o mesmo povo de Hamilton Borges (“reaja ou será morto, reaja ou será morta”), Nelson Maka (Blackitude), Vilma Reis, que luta e denuncia incansavelmente o extermínio dos pretos soteropolitanos, que vivem à margem do futuro, criado pelo passado sujo do tranca-rua do carlismo.

Só quem conhece a periferia de Salvador sabe o que é realmente mastigar chiclete com banana. Os chicleteiros, quando acaba o Carnaval, batem suas asas de águia para suas casas, enquanto o pipoca se estoura de janeiro a janeiro, com a porra daquela corda, que sempre arrebenta do lado mais fraco: “Dendê no cu dos outros é refresco”.

Mal sabem que lágrima de mãe, quando perde um filho, morto injustamente por quem deveria zelar pela segurança pública do Estado, não acaba nunca, precisa de vários abadás para secar. E nenhuma eletricidade que ilumina a avenida vai acender a vela do perdão, quando a gente cansar de andar de carro velho.

O povo do gueto mandou avisar que quer JUSTIÇA, senão... vai acabar com a festa. Quanto mais Haiti, mais Paris se aproxima.

A cor dessa cidade sou eu?

Leia
aqui a reportagem “A revolta da periferia”, assinada por Cynara Mezenes, capa da edição de 6 de fevereiro da revista CartaCapital, sobre a violência policial contra os negros na Bahia.

Aqui você lê o artigo “Agoniza mas não morre?”, de Guilherme Azevedo, sobre a consolidação do samba-empresa nos desfiles das escolas de samba do Rio de Janeiro e de São Paulo.

http://jornalirismo.terra.com.br/content/view/303/29/

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